Entrevista com Randolph Rhea

04 nov 2020

Randolph Rhea, Especialista Sueco em construção da paz internacional e desenvolvimento na Folke Bernadotte Academy, compartilha as suas reflexões sobre processos de desarmamento, desmobilização e reintegração (DDR) a nível global. Rhea participou recentemente de um webinar organizado pelo IMD sobre mulheres e o processo de reintegração no âmbito do DDR.

Tendo participado recentemente no webinar organizado pelo IMD - qual é a sua impressão sobre o processo de DDR em Moçambique?

Foi um prazer contribuir para o recente webinar  do IMD sobre a inclusão das mulheres e as perspectivas de género no processo de DDR em Moçambique - especialmente na componente de reintegração. Fiquei impressionado com as contribuições dos painelistas - dois deles sendo ex-combatentes da RENAMO e da FRELIMO - que sublinharam a importância da reintegração com inclusão de género. Na verdade, não há ninguém mais qualificado para levar esta mensagem do que aqueles que participaram num processo de DDR. Esta rica experiência adquirida no anterior processo de DDR é um importante ponto de partida para enfrentar os desafios de reintegração no âmbito do actual processo de DDR em Moçambique.

Embora existam muitos factores que dão a Moçambique um ponto de partida forte para iniciar este processo, os obstáculos para um processo de DDR bem-sucedido serão muitos. O DDR não deve ser visto como um processo único, o DDR deve ser entendido como o ponto de partida para trabalhar com um amplo espectro de questões sociais - desde segurança e governação a meios de subsistência e coesão social. A realização deste potencial do DDR como processo requer um compromisso de longo prazo em termos de capacidade e recursos para lidar com a complexa rede de necessidades humanitárias, de paz e de desenvolvimento em Moçambique. Por outro lado, o DDR é apenas um ponto de partida. As expectativas sobre o que é possível alcançar através do DDR devem permanecer moderadas e realistas.

 

Cite três factores que são importantes para um DDR bem-sucedido.

Num processo tradicional de DDR, como o que está a decorrer em Moçambique, existem várias pré-condições que são necessárias, embora não sejam suficientes para garantir o sucesso.

Em primeiro lugar, o DDR deve ser construído com base em um acordo político forte. Em muitos casos, pode ser um acordo de paz abrangente. Do ponto de vista prático, um acordo político fornece os limites legais e operacionais para um processo de DDR. Porém, mais importante do que esses elementos práticos é que o acordo político deve orientar os objectivos do processo de DDR. DDR é uma ferramenta que pode assumir várias formas para atingir objectivos diferentes. Essas metas devem estar alinhadas com os acordos políticos mais amplos. Um processo de DDR que não esteja fortemente enraizado em acordos políticos arrisca-se em perder o apoio para uma mudança política mais ampla.

Como é que as mulheres e meninas podem influenciar e fortalecer a participação?

De várias formas, o sucesso de um processo de DDR pode, em parte, depender do grau em que mulheres e meninas são incluídas em todos os aspectos de planificação, implementação e supervisão do processo. No entanto, a inclusão é apenas parte do objectivo final. A inclusão deve se traduzir em programas e apoio que realmente atendam às necessidades específicas de mulheres e meninas em DDR. Uma parte importante para garantir essa transição da participação para a capacidade de resposta é a capacitação focalizada, projectada para permitir que mulheres e meninas tenham um impacto significativo no processo de DDR.

Em ambientes onde um fundo fiduciário de vários doadores (ou mecanismo semelhante) é usado para financiar um processo de DDR, a inclusão de disposições que estipulam a inclusão obrigatória de, capacitação para e, em última análise, o apoio do DDR à responsividade de género pode ser uma maneira eficaz de criar uma abordagem de todo o sistema para abordar o papel e as necessidades de mulheres e meninas no âmbito do DDR.

Em segundo lugar, a confiança e vontade por parte de todas as partes envolvidas num conflicto de participar num processo de DDR são essenciais. No final das contas, o DDR é um processo voluntário no qual os combatentes devem optar por participar. Da mesma forma que os governos devem escolher dar apoio significativo aos processos de DDR. Todas as partes envolvidas num conflicto enfrentam potenciais riscos ao participar no DDR e cada etapa do processo deve ser usada para estabelecer uma base de confiança cada vez mais forte.

Terceiro, é necessário um nível mínimo de segurança  para dar apoio ao DDR e criar espaço para que a confiança floresça. Será difícil para as operações prestar apoio ao DDR e estabelecer confiança num ambiente onde balas ainda estão a ser lançadas. É por isso que o apoio ao processo de DDR é frequentemente fornecido em estreita ligação com um cessar-fogo. No entanto, segurança é mais do que o silenciar das armas como parte de um cessar-fogo. O DDR é uma oportunidade para o governo e grupos armados trabalharem juntos no sentido de estabelecer os provedores legítimos de segurança em áreas onde antes não havia nenhuma - ou nas quais grupos armados podem ter cumprido parcialmente esse papel. É importante que um vácuo de segurança não se desenvolva onde outros grupos armados ou organizações criminosas possam florescer - possivelmente ameaçando o DDR e o processo de paz em geral.

 

Última atualização 05 nov 2020, 00.23